segunda-feira, agosto 28, 2006

Quando o Plausível Não me Interessa











Paradoxo moderno. Fazer nos dias de hoje significa estar ganhando pra isso, normalmente associado a algo bem desagradável. O fazer bom não é remunerado, te dá muito mais prazer e provavelmente não vai ser reconhecido por muitas pessoas como algo construtivo. Quem é que reconhece o fato de uma rede dessas bem grandes poder te trazer às vezes uma felicidade, só de você deitar nela, tranquilamente, escutar o barulho de qualquer coisa da natureza e ter uma sensação de certeza de algo nessa vida. Apesar de todas as possibilidades do universo, você sabe que o mesmo barulho vai ser feito dali a uma determinada quantidade de tempo, a não ser que o inseto resolva pular proutro lugar, e isso te acalma. Há outros fazeres menos passivos também, como escrever para o amigo que há tempos você não vê contando várias coisas sobre sua vida e perguntando tantas outras para ele. Estes escritos que te consomem, que levam horas para ser feitos e que necessariamente exigem tempo e tranquilidade. Ou o livro que está na sua cabeceira há um tempo e você passa a tarde de terça-feira inteira lendo e ama. Aquele ensaio mais difícil do seu escritor preferido que ficou tão fácil de repente, quando você olhou para a página e viu que o que faltava mesmo era melhor qualidade no dia pra te inspirar e te ajudar a decifrar tudo aquilo.

Dias que passou olhando por detrás da janela quadrada, com a luz fria batendo no rosto, lembrando como era ter flexibilidade para fazer algo inesperado entre as nove da manhã e as cinco da tarde. Dinheiro que se ganha para durante quinze dias no ano - porque hoje não se tira o mês de férias - fazer exatamente esse inesperado. E o resto dele para conseguir sobreviver.

Mas tem o desafio, a ambição, a vontade de vencer. Expressões muito defendidas e reproduzidas para justificar a impossibilidade do lúdico e a obrigação da rotina. Poucas pessoas podem se dar ao luxo de ter desafios profissionais. Pois a maior parte delas está desenvolvendo uma atividade limitada, repetitiva e sem o mínimo de criatividade. Os poucos que podem, devem se considerar muito satisfeitos. A idéia de contruir algo para depois sentir orgulho dessa conquista está hoje pouco associada a valores não palpáveis. O fruto de um trabalho enfadonho e mesquinho pode soar realmente saboroso, então o tempo e desgaste que levou para cultivá-lo garante sabor imediato ao consumi-lo, instantaneamente.

Dai vão se formando concepções de sucesso e felicidade do mundo moderno, para que o homem se perca nele próprio e não consiga reconhecer seu valor a não ser sob esses paradigmas. O mundo em constante transformação constrói prédios cada vez mais altos e televisões cada vez maiores, existe uma coerência mecânica na nossa forma de entender a idéia de progresso através de coisas materiais. Noção de desenvolvimento, de aprimoramento humano, que cai no conceito de se imaginar estar melhor do que antes.


Deve ser muito difícil evoluir, porém. Conflitos humanos ainda tem como fonte moral e ética os mesmos paradoxos de sempre. Não evoluiu, nem mudou os adjetivos. Por trás do condomínio fechado moram os mesmos problemas humanos de um barraco na Vila Sônia. Violência e abuso de poder sempre fizeram parte das relações sociais. Tudo está maior e mais difícil de se identificar, contudo uma mirada mais além consegue revelar as limitações que sempre nos permearam.


Dai é que vem toda desconfiança do que se pode ou não considerar importante, do que aparenta ser bom, do que parece ser a "melhor" atitude, daquilo que poderia significar a escolha menos ou mais certa. Porque na rede, lá deitada, lendo o livro da cabeceira, escrevendo este texto, sem trazer respostas prontas, avaliar valores e referenciais me deixa menos incerta e mais atenta às incrongruências cotidianas. Coloca rumo onde às vezes não existe caminho e me dá liberdade para poder andar sobre ele, mesmo sabendo que muitos outros não o farão.

(Imagem: arquivo pessoal, foto B. Sardi)

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