segunda-feira, novembro 20, 2017

Primeira Vez



Parte I. Memória

Tinha essa imagem na memória
Corria o corpo toda vez que lembrava,
do beijo, do sorriso no canto da boca, dos sons
do jeito que ele olhava.
Viveu dias com o que aquela lembrança provocava
andava e transpirava, íntima
dormia dolorida por dentro, de vontade.

Logo entendeu, teria que saciá-la por conta
Viu-se envolta em uma auto-suficiência incômoda,
que a fez sentir ora mágoa, ora força
dessa mistura, emanava.

Entendeu, depois, que logo se veriam
imaginou se aquela vontade toda ainda estaria lá,
de tanta que era. Esperava.


Parte II. Caminhos Conhecidos

Como imaginado, a vontade bruta sublimada, tranquilizou o momento.
Enfim, a memória descansaria enquanto o encontro real existia.

Escolheram um lugar antigo, bem conhecido,
tão visitado que atravessaram a rota sem nem precisar de referência.

Naquela noite, caminhos conhecidos se fariam bem explorados,
um mostrando um pouco do seu preferido ao outro.
Havia por certo a expectativa dela por algo a ser inventado,
algo fora do percurso, por ela já intuido,
queria levar aquele olhar junto, mas sabia, não iria,
não em uma noite, não naquela.

Sabia também, algumas pistas do trajeto eram guardadas no outro,
pistas as quais ele talvez nem pensasse que possuía,
ou que poderia descobri-las, ou inventá-las.
Se viu então vencida.
Pedidos eram difíceis ali, não seriam entregues,
não em uma noite, não naquela.

Entendeu, seria em vão
ficar nas tais percorridas e testadas estradas
enfim, seria bom mesmo assim,
não deixavam de ser, afinal, seus caminhos preferidos
Era bastante? Por certo, pouco não era.

Parte III. Amor azul-celeste

Azul-celeste era a cor preferida
azul em forma landscape,
que emoldura na paisagem a dimensão do olhar

Azul em forma onírica, que esconde a imensidão infinita
de uma galáxia em eterna expansão

Azul celeste que brilha e recorta as nuvens turvadas no céu
ah, céu, esse mistério, de incertezas, imprevistos, reviravoltas

Assim, amor azul-celeste, assim como meu sentimento-amor,
expansivo, absorto e universal
Num universo negro a engolir luz, som e tempo, vivo
Vivo para tornar-se, enfim, poeira nas estrelas.

(To LBG / Imagem: Paul Klee, 1922)

Com Você




Veio de lá o pedido por um não amor,
era apenas casual, mas também não era
Como se algo assim se moldasse
na argila híbrida do sentimento.

Vinha de lá um querer assim nem tanto
mas que no tempo ficava, com o tempo permanecia
fosse Joana ou Maria, tanto fazia.

Dessa permanência, mantinha o meigo flutuar de uma correnteza,
abria caminho, inebriava,
convidava à fluidez quase irresistível, de um espelho límpido,
do reflexo da incerteza.

Ser mantenedor de uma vontade densa,
tal e qual, ainda que surpreendentemente, coesa.

Escreveu, imaginou, quase nunca fez
sentiu, amou, como nunca fez,
construiu, viveu, o que nunca fez
Com você.

(Imagem: Van, Irises, 1989)

Abaixo da Linha D'água



Parte I. Olhar 
Dizem que o olhar é a porta de entrada da alma 
E quando não? 
Do coração é que fala a alma, 
E daquele olhar que revela outrora aquilo que não se sente, 
Ora encanta, ora apavora. 

Já o tempo, confidente da alma, 
Que de tanta constância separa o sim do não, 
Em segredo sabedor guarda e entende 
Do que o olhar sustenta o que chega do coração. 


Parte II. Reunião 
Naquele dia portas batiam, acordos aconteciam, despachos subiam, 
Corpos e sapatos em gestos altos e abruptos 
Ocupavam os corredores com seres velozes e frenéticos 
Por acordos afins e seus despachos. 

Enquanto na sala de reunião, 
Submersos, abaixo da linha d'água 
Mergulhados no invisível e no etéreo 
que nunca havia deixado de existir entre os homens 
turvos na profunda dimensão daquele instante, 
o silêncio encontrava a vontade: 
de que por trás daqueles olhos 
dois sorrisos ligeiros conduziam ao dado, 
o qual deveriam mesmo 
era estarem se comendo, na sala logo ali ao lado.

(Imagem: Marc Chagall, 1955)